O esboço

Os passos ásperos arrastavam, apressados, os amargores do dia. Pés que perneavam promessas de movimento noturno, pés que percorriam pensamentos perdidos (premeditação: tramas, pretextos, pretensão, tensão), devaneios tão alheios como as partículas de poeira que escapavam, enfileirados, das sombras. Naquele dia, Marta resolvera tomar um caminho diferente, a pé.

Afundada na concretude da cidade, serpenteava uma rua longa e larga de casas quadradas, coloridas e engraçadas. Em meio às fachadas esquecidas do tempo, um parque abandonado, daqueles que recebem visitas dos que já não são. Era o mesmo parque de um dos poemas que havia lido no caderno que lhe fora entregue naquela tarde. Tudo o que ela sabia sobre seu autor, era que ele tinha alucinações, visões. Quando em crise, rasgava as páginas de uma velha Bíblia, jogava-se contra as paredes ou  

Neurologistas, psiquiatras, psicólogos e padres tentaram, sem sucesso, adentrar no jovem mistério. Era aquele parque. Esboçado em escritas frenéticas, que se embrenhavam numa mata fechada – e todas aquelas páginas foram lidas (e analisadas) num só fôlego –. O que ele queria dizer com aquelas precisas palavras? Por que ela? Por que ela estava fazendo isso? Enfim, os pés chegaram ao destino. Finalmente, os olhos perceberam o chão. E o último feixe de luz, que acalorava as pétalas carmesins da rosa caída no meio do parque, escorreu oculto na escuridão. Ao amanhecer, o corpo da professora foi encontrado quente no jardim. Na cena, um caderno.

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